TERAPIAS COGNITIVO
COMPORTAMENTAL E BEHAVIORISTA RADICAL: SÃO DIFERENTES?
Eliane Falcone (UERJ)
A terapia
comportamental parece estar atualmente dividida em duas posições: uma é
defendida por aqueles que consideram o estudo de processos cognitivos um avanço
enriquecedor para a abordagem comportamental tradicional aos problemas humanos
(Dobson & Block, 1988: Freeman, Pretzner, Fleming & Simon, 1990;
Hawton, Salkovskis, Kirk & Clark, 1989) e outra, representada por autores
de tradição Skinneriana, entende que o enfoque cognitivo descaracteriza o
modelo comportamental em suas bases filosóficas e teóricas (Theyer, 1992;
Hayes, 1987; Alverez, 1991). Os representantes da primeira posição costumam ser
chamados de cognitivo-comportamentais e os da segunda de
behavioristas-radicais.
Embora ambos os
enfoques apresentem agurmentações coerentes com os seus modelos ao apontarem as
suas diferenças, tais diferenças parecem ser mais evidentes no plano filosófico
do que no teórico, e inexistentes na prática clínica atual. Este artigo busca
levantar algumas questões neste sentido. Antes, porém, torna-se necessária uma
breve explanação sobre os enfoques cognitivo-comportamental e
behaviorista-radical.
O final da década de
60 foi marcada pelo surgimento de insatisfações com a terapia comportamental
tradicional, por esta não considerar os fatores cognitivos como imprescindíveis
para compreensão e tratamento mais abrangentes de problemas clínicos mais
complexos, tais como desordens de ansiedade e depressão. Além dos estudos de
Bandura sobre aprendizagem vicária e auto-eficácia, que contribuíram para o
desenvolvimento de pesquisas na área de cognição, modelos de tratamento tais
como a Terapia Racional Emotiva de Ellis, o Treino Auto-Instrucional de
Meichenbaum e a Terapia Cognitiva da Depressão de Beck foram se desenvolvendo e
gerando interesses entre os profissionais de orientação comportamental (para
uma leitura mais detalhada deste assunto, ver Mahoney, 1974; Dobson &
Block, 1988; Hawton, Salkovskis, Kirk & Clark, 1989). O avanço das
pesquisas que incorporam processos cognitivos aos modelos comportamentais
conquistaram um número cada vez maior de adeptos (Dobson & Block, 1988)
gerando o que mais tarde foi chamado por Mahoney de “revolução cognitiva”
(Mahoney 1988, p.357 e 358). Atualmente, tratamento cognitivo-comportamental é
utilizado na maioria das desordens encontradas na prática psiquiátrica (Hawton,
Salkovskis, Kirk & Klak, 1989) e é o tratamento padrão utilizado
internacionalmente, como se viu no último Congresso Mundial de Psiquiatria, no
Rio de Janeiro, em junho.
A terapia cognitivo
comportamental considera que os problemas psicológicos podem ser compreendidos
em termos de sistemas de respostas intercalados: o cognitivo,
afetivo/fisiológico e o comportamental. O modo como uma pessoa percebe o
ambiente a sua volta (reação cognitivo) é seletivo e depende de um conjunto de
regras e crenças adquiridas no desenvolvimento desta pessoa. As reações
cognitivas influenciam e são influenciadas pelas reações afetivas, fisiológicas
e comportamentais. Assim, nas desordens de ansiedade e na depressão, o
indivíduo percebe e avalia a situação de forma distorcida, tendenciosa (distorção
cognitiva), propiciando a ocorrência de afetos desagradáveis (angústia,
desânimo, etc), de reações fisiológicas correspondentes (sudorese, taquicardia,
tonteira, fraqueza, etc), e de comportamento (bloqueio, colapso, tremor, fuga,
evitação, etc), que acabam confirmando as hipóteses negativistas acerca de
situação e da auto-imagem (para melhor compreensão deste assunto, ver De Rubeis
& Beck, 1988; Beck, Shaw & Emery, 1982; Beck & Emery 1985; Dobson
& Block, 1988; Hawton, Salkovskis, Kirk & Klark, 1989; Freeman,
Pretzner, Fleming & Simon, 1990).
Behavioristas
radicais consideram que a ascendência da análise cognitiva na abordagem
comportamental, é em parte, atribuída à dificuldade com que terapeutas do
comportamento lidam com o behaviorismo e com as suas bases teóricas. Além
disso, os princípios comportamentais mais conhecidos surgiram de experimentos
com animais, que são diferentes de seres humanos, fazendo com que muitos
terapeutas comportamentais se tornassem cognitivos. Embora as diferenças entre
animais e seres humanos constituíssem um problema a ser resolvido no estudo do
comportamento, a solução encontrada por estes terapeutas foi errada (Hayes,
1987).
O behaviorista
radical tem sido confundido com o behaviorismo metafísico de Watson (Hayes,
1987; Thyer, 1992) que é também monista, mas exclui o mundo privado, uma vez
que este não é publicamente observável. Contrários a esta posição, os
behavioristas radicais seguem a linha Skinneriana, que admite o estudo
científico de fenômenos privados. Assim, “… pensamentos não são
substancialmente diferentes em virtude de sua natureza privada. Eles podem ter
propriedades especiais porque são verbais, mas ainda são comportamentos”
(Hayes, 1987, p.330).
Com base nesta
proposição, os behavioristas radicais encontram uma forma de estudar as reações
humanas fazendo uma distinção entre público e privado, em vez de físico e
mental, considerando esta última como falsa e dualista (para uma revisão mais
detalhada do assunto, ver Hayes, 1987).
Mantendo a ênfase na
determinação ambiental, os behavioristas radicais procuram compreender as
contingências que apoiam a relação entre pensamentos e outras formas de ação
humana, através do estudo do comportamento controlado por regras ou controle
verbal(Hayes, 1987; Alvarez, 1991). Deste modo, regras verbais produzidas pela
comunidade social-verbal influenciam outras formas de ação humana (Hayes,
1987). As implicações clínicas desta proposição referem-se a possível distorção
verbal que um indivíduo pode ter da realidade e de si mesmo, a partir de
controle instrucional generalizado, mostrando efeitos nocivos no comportamento,
mesmo quando as contingências são contactadas (Hayes, 1987; Alvarez, 1991).
Isto é “tradicionalmente entendido como distorção cognitiva” (Alvarez, 1991,
p.77). “A reestruturação cognitiva, por sua vez, seria reconhecida como uma
forma de modificação de conduta verbal” (Hamitan, 1988; Hayes, Kohlenberg e
Melacon, 1989, in Alvarez, 1991, p. 77). Hayes apresenta um belíssimo modelo de
tratamento denominado “distanciamento compreensivo”, que “transcede as
distinções entre terapia cognitiva e terapia comportamental, na medida em que é
um modelo racionalizado comportamentalmente, podendo incorporar ambos os
conjuntos de técnicas ” (Hayes, 1987, p.342).
Com base no que foi
visto até agora, uma diferença entre cognitivistas e behavioristas parece estar
no nível de rigor científico que permeia os conceitos teóricos de ambos os
enfoques. Para os behavioristas radicais, aceitar o uso da palavra “cognição” seria
aderir a uma postura dualista, o que constituiria um sério problema
metodológico. Deste modo, a referência às reações cognitivas como
“comportamentos encobertos” foi uma estratégia brilhante que estendeu o modelo
operante à compreensão de fenômenos mais complexos.
Cognitivistas-comportamentais também consideram as cognições como um sistema de
respostas, mas não de uma forma tão compromissada com contingências e com
termos precisamente impostos. Embora preocupados com validade empírica e
expressão de conceitos operacionais, eles não são tão rigorosos do ponto de
vista científico.
Behavioristas
radicais costumam ser bem mais flexíveis na aplicação de técnicas terapêuticas
do que na construção de suas teorias ao adotarem um ecletismo técnico assumido.
O modelo de tratamento de Hayes citado neste artigo constitui uma ilustração
deste tipo de intervenção, principalmente pela inclusão de procedimentos da
gestalt-terapia. Talvez este ecletismo técnico seja uma forma de suprir as
limitações impostas pelo rigor metodológico do behaviorismo radical.
Outra diferença
encontrada entre cognitivistas e behavioristas está na ênfase dada às
contingências ambientais e às cognições. Enquanto o primeiro grupo busca
encontrar crenças subjacentes para entender de que maneira as reações
cognitivas influenciadas pelas afetivas/fisiológicas e comportamentais, o
segundo processo procura saber que tipos de contingências levariam um
comportamento a ocorrer e a influenciar outro comportamento. Deste modo
behavioristas radicais enfatizam a determinação ambiental na compreensão dos
comportamentos (abertos e encobertos) do indivíduo, enquanto
cognitivo-comportamentais priorizam os processos cognitivos, considerando que o
homem reage a um ambiente percebido e não a um um ambiente real.
Possivelmente outras
diferenças seriam apontadas neste texto, caso houvesse mais espaço.
Caberia aqui levantar
algumas questões que ficarão em aberto para o leitor refletir a respeito:
seriam as diferenças entre abordagens cognitivo-comportamentais e behavioristas
radicais tão significativas a ponto de estas se excluírem na compreensão e
tratamento de problemas clínicos? Não seriam a ocorrência de diferentes
posturas dentro de uma mesma abordagem, em função do crescimento desta culpa? A
“disputa” entre estes dois enfoques não deveriam ser considerada positiva para
o desenvolvimento de ambos?
REFERÊNCIAS:
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Inpa – Instituto de
Psicologia Aplicada, Brasília, DF.
Fonte: https://www.inpaonline.com.br/