COLETÂNEA DOS ARTIGOS PUBLICADOS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO DE 25/08/90 SOBRE A MORTE DE SKINNER


Jesus de Paula Assis

"Behaviorismo" do inglês "behavior", comportamento. Eis a chave para entrar na mente, essa entidade fugidia que há séculos escapa da investigação filosófica. Pelo menos era assim que pensavam os behavioristas do início deste século, como John Watson (1878-1958) que cunhou o termo em 1913: para os animais, não existe como perguntar "o que você está sentindo?". O possível é apenas estimulá-los e observar sua reação ao estímulo. Porque deveria ser diferente com seres humanos?

Não que seres humanos sejam incapazes de "sentir", seja lá o que isso signifique exatamente. O problema é como ter acesso a isso. No início do século 20 (e ainda hoje, dirão seus críticos), a psicanálise era muito nova - a palavra mesmo só aparece na língua inglesa, oficialmente, em 1923 - e tinha pouco a oferecer nesse sentido. Seu método é introspectivo, isto é, o indivíduo estuda a si mesmo. Logo, o resultado de seus estudos - o que o pesquisador "observa" - não pode ser compartilhado com outros. Isso se afasta do alvo de toda ciência: erigir conhecimento público, que não exija dotes especiais de observação.

O ponto então era: se a filosofia jamais deu conta de explicar como pensa o homem, porque não abandonar conceitos como "mente", "estado mental", ("alma", se se quiser) e voltar os olhos apenas para o comportamento? Um enfoque que dê caráter realmente científico ao estudo da mente deve tratá-la como se ela fosse uma "caixa preta". Injetam-se estímulos e se recebem respostas. A equação entre essas duas variáveis é tudo o que uma psicologia realmente experimental pode pretender.

O mesmo projeto move, por exemplo, a física. O cientista deseja equacionar a magnitude de uma força a de um movimento resultante. Tudo o que acontecer pelo caminho fica por conta das teorias do freguês. Se as duas pontas, causa e efeito, estiverem relacionadas - se dada uma, o físico puder prever a outra -, o resto é supérfluo.

Quem teme hoje o behaviorismo? Na esteira da crítica ao positivismo - especialmente em sua vertente mais moderna, o positivismo lógico - o behaviorismo aparece como uma teoria que se deve desprezar, que não fica bem defender. É certo que muitas das teses fortes da teoria estão ultrapassadas. Watson pretendia que todos os fenômenos psicológicos poderiam ser reduzidos a movimentos moleculares e que comportamentos complexos seriam resultados da soma de maldefinidos "comportamentos elementares". Skinner, mais prático, observou que não era preciso esposar essas teses fortes. Seu behaviorismo descritivo, ou ateórico, deixava de lado os "estados mentais" nas explicações de como funciona a mente, mas não afirmava que tais estados não existiam: eram apenas supérfluos do ponto de vista de uma psicologia científica. A prova de que esse behaviorismo é ainda muito forte é que qualquer estudioso sério deve se posicionar a seu respeito. Se fosse elementar ou infrutífero, não haveria por que combatê-lo. Bastaria, como se faz com tantas teorias fora de moda, ignorá-lo.

Uma coisa é dizer algo como "a mente comanda o corpo" ou "a vontade domina as ações". Essas são afirmações difíceis de se testar na prática. Por exemplo, dada uma ação qualquer (o movimento dos olhos ao se ler este texto), como dizer que isso é fruto da "vontade"? Seria preciso definir claramente esse conceito. Depois, seria preciso explicar quais os mecanismos de causa e efeito que unem vontade e ação, e assim por diante. Essas sentenças são daquele tipo que todo mundo parece compreender, mas que ninguém é capaz de explicar corretamente o porquê de sua plausibilidade.

Outra coisa bem diferente é dizer "dado este estímulo, devo obter tal e tal resposta, o que mostra que o cérebro opera sempre nesse sentido". Se, dado o estímulo, a ação correspondente resolver não aparecer, pode-se dizer que a hipótese que afirmava a relação de causa e efeito falhou. Assim, uma teoria como essa é muito mais aberta a críticas e, consequentemente, a testes que ponham a descoberto suas incorreções. Em casos extremos, pode ser difícil definir "comportamento", mas a tarefa parece bem mais tratável que a de definir "vontade".

Francis Bacon dizia que o progresso nasce mais facilmente do erro que da confusão. Constatado um erro, é possível progredir.

A confusão não deixa saída. Contra a obscuridade das teorias clássicas sobre o pensamento se insurgem os claros "erros" behavioristas. Tanto melhor para a ciência.


A MENTE E A LIBERDADE PARA SKINNER

Júlio César Coelho de Rose1

Skinner, o principal psicólogo da corrente behaviorista, é um cientista pouco lido e raramente compreendido. Suas idéias são muito complexas e enfatizam a necessidade de explicar qualquer comportamento, por mais simples que pareça, como resultado da combinação de muitas causas. Os métodos da Análise do Comportamento foram propostos por Skinner para destrinçar estas múltiplas causas e mostrar como elas se combinam para determinar a conduta. Skinner escreveu um livro, "Sobre o Behaviorismo", procurando mostrar que são falsas as afirmações mais difundidas a respeito do seu pensamento, como por exemplo as seguintes: 1)ele ignora a consciência e os estados mentais;

2)formula o comportamento simplesmente como um conjunto de respostas a estímulos, representando assim a pessoa como um autômato, robô, boneco ou máquina;

3)não dá lugar para intenção ou propósito.

O maior e mais persistente destes erros é considerar que Skinner é um dos teóricos que representam a conduta como uma sucessão de estímulos e respostas. De fato, ele foi o primeiro psicólogo experimental a demonstrar que, mesmos os animais, a maior parte dos comportamentos não são uma reação a estímulos do ambiente. Skinner deu o nome de "operantes" a estes comportamentos, chamando a atenção para o fato de que eles operam sobre o meio. Esta rejeição da teoria do estímulo e resposta está clara na frase que abre o seu livro "O Comportamento Verbal": "Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez são modificados pelas consequências de sua ação". Aqui fica delineada uma relação de importância fundamental para o estudo do comportamento: a relação entre o comportamento e os efeitos que este comportamento produz sobre o ambiente. Esta relação estabelece os efeitos ou consequências do comportamento presente como parte das causas do comportamento futuro. Portanto, a vida do indivíduo envolve uma história de relações do seu comportamento com o ambiente; para entender o comportamento é necessário retroagir à história do indivíduo, às relações entre comportamento e consequências ocorridas no seu passado. O comportamento é resultado da história individual, combinada com a herança genética.

Toda a teoria de Skinner está baseada na noção de que o comportamento de um indivíduo é afetado pelas consequências que comportamentos similares tiveram no passado. Skinner distingue dois tipos de consequências do comportamento. Os reforços fazem com que comportamentos similares ocorram com mais frequência no futuro (este processo é denominado condicionamento operante). Já as punições podem fazer com que comportamentos similiares diminuam no futuro.

Porém, Skinner sempre chamou a atenção para o fato de que a redução de comportamentos através de punições é ineficaz e costuma trazer graves subprodutos psicológicos. Com base nisto, ele desaconselha enfaticamente o uso de punições na educação ou em qualquer outro campo das atividades humanas.

Skinner mostrou, por exemplo, como os efeitos do reforço são drasticamente modificados pelo contexto e pelo "tempo" de apresentação do reforço, ou, mais precisamente, pelo esquema de reforço. A análise de casos concretos, sem considerar estas e outras complexidades da história individual, pode resultar apenas em generalizações simplistas.

Vamos nos referir a um tipo concreto de comportamento, a fala, para dar uma idéia da complexidade da análise e também para introduzir um dos pontos mais controvertidos das teorias de Skinner. Aplicando as noções de reforço e punição poderíamos imaginar, por exemplo, que um indivíduo que fala muito pode ter tido o seu comportamento de falar bastante reforçado no passado; por outro lado, um indivíduo que fala pouco e mostra-se constantemente reservado, taciturno e introvertido, pode ter sido pouco reforçado e/ou frequentemente punido por seu comportamento de falar. Os métodos de análise desenvolvidos por Skinner mostram que raramente as coisas ocorrem de modo tão simples e linear. Por exemplo, reforços ou punições específicas podem fazer com que o indivíduo fale mais na presença de determinadas pessoas e menos na presença de outras; ele pode falar mais sobre certos assuntos e menos sobre outros. Além dos reforços e punições de sua história passada, a fala do indivíduo pode ser afetada pelas suas emoções, motivações, fadiga ou efeito de certas drogas, etc. Para uma análise mais acurada, referir-se simplesmente ao comportamento de falar é muito genérico: é preciso distinguir os diferentes aspectos da fala de uma pessoa, onde podem ser encontrados vários tipos de comportamentos operantes. Há os comportamentos de fazer pedidos, dar ordens, fazer perguntas, descrever diferentes tipos de coisas, ações ou situações etc. E cada um destes tipos de comportamento pode ocorrer nos mais variados contextos, sendo diferencialmente afetado por reforços e punições, além dos demais fatores já mencionados, como emoções, motivações, etc.

Utilizamos o exemplo da fala, para mencionar a grande polêmica a respeito da aplicação das idéias de Skinner à linguagem. Vários linguistas têm argumentado que os processos de condicionamento operante não podem explicar a estrutura da linguagem humana, e nem a capacidade que um ser humano tem de falar e entender frases que nunca tenha falado ou ouvido antes. Os psicólogos influenciados por Skinner consideram, no entanto, que também na questão da linguagem, como em muitos outros domínios do comportamento humano, há evidências científicas suficientes de que o comportamento presente de um indivíduo é afetado pelas consequências de seu comportamento passado.

Skinner observou que a linguagem pode exercer um controle direto sobre a ação, modificando os efeitos do condicionamento operante. Ele distingue entre o comportamento moldado pelas contingências (a conduta que é efeito direto e muitas vezes inconsciente dos reforços e punições do passado) e o comportamento governado por regras. As regras podem ser, na verdade, fórmulas, instruções, conselhos, ordens, máximas, etc. Uma pessoa pode receber instruções ou regras formuladas por outros, assim como ela pode, observando seu próprio comportamento e o mundo a seu redor, formular regras para si mesma e através delas dirigir seu comportamento. As regras podem suplantar o efeito direto do condicionamento operante, mas ainda aí cabe à Análise do Comportamento identificar o que faz com que um indivíduo esteja mais ou menos inclinado a seguir regras ou instruções.

Skinner introduziu a noção de comportamento governado por regras em seu livro "Contingências de Reforço", utilizando-a para analisar os processos de pensamento e solução de problemas. Em outra ocasião ele reafirmou que a Análise do Comportamento "... não rejeita qualquer destes processos mentais superiores; ela tomou a liderança na investigação das contingências sob as quais eles ocorrem. O que ela rejeita é a suposição de que atividades comparáveis têm lugar em um mundo misterioso da mente" ("Sobre o Behaviorismo")

Em lugar deste mundo misterioso da mente, Skinner fala, em "Sobre o Behaviorismo", do "mundo por debaixo da pele". Ele refere-se à parte do ambiente que está dentro do corpo de cada indivíduo: a pessoa fala para si mesma e executa outros movimentos de seus músculos em escala tão reduzida que não podem ser percebidos por um observador externo. Ela sente dores e as condições de tensão e relaxamento de seus músculos, etc. Só a própria pessoa pode observar ou sentir o que se passa no seu mundo privado. Skinner sustenta que a Psicologia não pode ignorar estes processos só porque eles não podem ser publicamente observados.

Como o indivíduo pode obter consciência do seu mundo privado, e também do seu comportamento e das condições que o determinam? Skinner sustenta que para isso é necessária a mediação da comunidade, que estabelece as contingêngias de reforço para os comportamentos de autobservação e autodescrição. Como a Análise do Comportamento possibilita um conhecimento das contingências de reforço mais eficazes, Skinner afirma que ela pode ajudar na construção de uma autoconsciência: "Uma ciência do comportamento não ignora, como se diz frequentemente, a consciência. Pelo contrário, ela vai muito além das psicologias mentalistas ao analisar o comportamento autodescritivo. Ela tem sugerido maneiras melhores para ensinar o autoconhecimento e também o autocontrole, que depende do autoconhecimento" ("Contingências do Reforço").

Subjacente à teoria behaviorista está a idéia de que todo o comportamento humano é determinado, sendo portanto controlado por causas específicas. Ao afirmar as implicações desta causalidade, Skinner é visto como um defensor do controle doo comportamento e um inimigo da liberdade humana. Suas idéias podem, no entanto, ser vistas de uma maneira mais positiva: o homem não pode mudar a natureza e não pode impedir que o ambiente exerça algum tipo de controle sobre seu comportamento. Se ele recusar-se a conhecer os processos que controlam seu comportamento, será sempre uma presa inconsciente das "agências controladoras". Conhecendo os determinantes do comportamento, o homem estaria mais capacitado a assumir o controle do próprio destino.

HERANÇA FILOSÓFICA AINDA ASSOMBRA HUMANISTAS

Fernando de Barros e Silva

Quando publicou seu primeiro livro "O Comportamento dos Organismos", em 1938, Burrhus Frederic Skinner foi recebido com frieza pela crítica. O livro encalhou; sua segunda edição só saiu na década de 60. No último sábado (18/08/90), Skinner morreu aos 86 anos. Era, então, o maior nome da psicologia behaviorista e um dos pensadores mais controvertidos da segunda metade deste século.

Skinner foi uma pedra no sapato dos humanistas. Tratou os conceitos de liberdade e dignidade humanas como "mitos" que deveriam ser desconsiderados pela ciência. Entre as acusações que acumulou em vida, estava a de ser um "psicólogo de ratos" e ter concebido uma sociedade nos moldes totalitários. Boa parte da ira que Skinner provocou nasceu do impacto de livros que extrapolavam os limites da psicologia.

Em "A Tecnologia do Ensino"(1968), o "pai" do behaviorismo radical, como era chamado, lançou a teoria do "ensino programado". Defendia que "máquinas de ensinar" seriam mais eficazes do que professores em sua tarefa pedagógica. Os alunos deveriam ser educados da mesma forma que animais eram induzidos a responder a estímulos determinados dentro do laboratório.

Skinner já havia ido mais longe em "Walden 2", romance de 1984. O livro descreve uma sociedade imaginária funcionando segundo os postulados behavioristas. Nela, não há classes sociais, propriedade privada, violência ou privilégios. Este mundo, Skinner o imaginava como resultante de condicionamentos complementares. Numa passagem, o autor descreve uma cena em que cabras pastam no jardim de uma casa e tira disso a seguinte conclusão: as cabras ficam alimentadas ao mesmo tempo em que fazem a manutenção do jardim. "Walden" seria um país onde tudo funcionasse dessa forma. Os críticos do "paraíso terrestre" proposto por Skinner diziam que seu preço era a redução dos indivíduos a simples peças de uma "engenharia social" (expressão do próprio Skinner).

"'Walden 2', foi mal compreendido; o projeto do livro não é totalitário, é movido por um espírito iluminista", diz Maria Amália Andery, 37, professora da faculdade de Psicologia da PUC que acaba de fazer sua tese de doutorado sobre o romance. Segundo ela, as críticas que se pode fazer ao Skinner pensador social são duas: "Sua postura era cientificista; ele acreditava que os problemas humanos poderiam ser resolvidos através da ciência". Além disso, diz Maria Amália, "Skinner não pensa a passagem do mundo atual para a sociedade behaviorista; ele toma isso como um pressuposto, o livro começa pela descrição dessa sociedade".

No campo da psicologia, a contribuição fundamental de Skinner foi uma invenção à primeira vista banal: uma caixa capaz de isolar animais em laboratório e estudar seu comportamento em condições tidas como ideais. A invenção foi batizada de "caixa de Skinner".

"Sua caixa é uma espécie de teoria materializada que institui o comportamento como objeto e garante o rigor de seu controle e de sua previsão", diz o professor de filosofia Bento Prado Jr., 53. Para ele, a caixa "também marca os limites da psicologia skinneriana, já que essa não pode abandonar o recinto do laboratório sem se descaracterizar e cair nas noções vagas do senso-comum".

Bento Prado não está sozinho ao apontar a fragilidade da teoria skinneriana quando esta sai da "caixa". Osmyr Faria Gabb Jr., 40, coordenador do Núcleo de Fundamentos da Psicanálise e da Psicologia da Unicamp, diz que o behaviorismo "foi para o espaço" quando saiu do laboratório. "Quando se debruçou sobre as situações reais de interação social, o skinnerianismo foi desastroso. Na vida não há como controlar as variáveis que se controlam em laboratório", afirma.

Luis Claudio Figueiredo, 44, professor do instituto de Psicologia da USP, discorda que a teoria de Skinner se esfacele quando enfrenta o mundo. "Ele desenvolveu técnicas de controle e previsão do comportamento que foram fundamentais para o progresso da psicologia e da psicofarmacologia", diz Figueiredo. "O método de Skinner funciona no tratamento de crianças excepcionais e tem aplicações inegáveis na pedagogia", completa.

Figueiredo distingue duas dimensões na obra skinneriana. Uma é sólida e deriva dos resultados obtidos em laboratório. A segunda foi desenvolvida sem a base experimental e deve ser tomada como "interpretação", não como ciência. "Este é o ponto mais vulnerável de sua obra, mas também o que o tornou conhecido fora da universidade", diz Figueiredo. Segundo ele, Skinner "sabia da fragilidade dessas posições, mas alimentava a polêmica, era um agitador cultural". Se a análise for correta, Skinner atingiu o alvo. Morreu catalizando atenções e provocando polêmicas.

OBRA DE SKINNER VAI ALÉM

Maria Amélia Matos1

Ao se estudar a obra de B.F Skinner é necessário antes de mais nada distinguir entre o behaviorismo radical e o analista de comportamento. O primeiro tem uma postura filosófica diante do mundo, da ciência e do conhecimento que reflete muito a influência da obra de Wittgenstein e sua teoria geral da linguagem. Tem-se dito que Skinner é um positivista lógico; na verdade, exceto por um pequeno interesse pelo operacionalismo no início de sua carreira e pela sua constante preocupação com a verificabilidade, a epistemologia skinneriana é marcadamente diferente daquela dos positivistas lógicos. Seu anti-formalismo, suas posições diante do problema de contrução de teoria, sua postura inabalavelmente empírico-descritiva revelam antes, a influência do físico E. Mach. Mesmo enquanto behaviorista, sua posição é malcompreendida. É um behaviorista na medida em que propõe que o objeto de estudo da psicologia deva ser o comportamento; e é um radical na medida em que nega ao psiquismo a função de causa do comportamento, embora não negue a possibilidade, de, através de um estudo da linguagem do sujeito, estudar seus estados internos, como seu pensamento e sentimentos.

Skinner enquanto um analista do comportamento propõe um programa de pesquisa para que a psicologia possa desvendar seu objeto de estudo. É com esse programa que trabalham seus seguidores, muitos dos quais desconhecem sua filosofia. A primeira proposta clara para esse programa só surgiu em 1938 com a obra "The Behavior of Organisms: An Experimental Analysis", enquanto sua filosofia, que já vinha sendo posta em prática desde 1931, só encontra igual explicitação em 1945, em seu artigo "The Operacional Analysis of Psychological Terms" (que, aliás, expressa uma postura anti-operacionalista). Posteriormente, essa explicitação foi traduzida (para enorme escândalo dos próprios bahavioristas) em "Science and Human Behavior" e, finalmente, entendida em 1974 com "About Behaviorism".

Skinner vê a psicologia como uma ciência biológica (embora seja avesso ao reducionismo fisiológico), que estuda o comportamento dos organismos dentro de coordenadas espaço-temporais, e na sua interação com o ambiente. Na verdade, propõe o estudo da interação comportamento-ambiente, posto em sua unidade de análise é a relação resposta-consequência (e não a resposta isolada), cujos termos são classes funcionais e não entidades estruturais. Ao contrário do que muitos julgam, não é uma psicologia voltada nem para o ambiente nem para o organismo, e sim para o estudo das contingências que contatam os dois, e, para os efeitos desse contato sobre o modo de agir e proceder dos organismos. Para Skinner, o comportamento tem lugar no mundo físico e social fora do organismo (ou melhor, somente aquelas interações que por aí terem lugar se constituem em eventos observáveis são legitimamente objetos de seu estudo). Quando uma pessoa descreve seus pensamentos, sentimentos ou suposições, tudo isso é comportamento. Entender os pensamentos e sentimentos de uma pessoa é conhecer as condições em que ela expressa esses sentimentos e pensamentos bem como as relações funcionais entre essas condições e aquelas expressões.

Skinner não rejeita que possam ocorrer fenômenos em outras esferas e níveis nos organismos (ao contrário do que afirmam alguns críticos), mas defende que, se o comportamento vai de fato explicar ou ser explicado por tais fenômenos, então, os métodos de coleta e de interpretação desses dados devem estar no mesmo nível dos princípios básicos das ciências naturais, que é o nível do comportamento. Como já dissemos, Skinner não nega a existência de estados internos, e o fato de que esses eventos se situem dentro dos organismos e não possam ser observados senão pelo próprio sujeito não põe em discussão sua existência. A objetividade ou concordância de observadores externos não é critério de realidade, nem critério para escolha de objeto de estudo. A restrição existente diz respeito ao acesso (para o qual bastaria um único observador), diz respeito à relação sujeito-fenômeno x observador-fenômeno. Nesse sentido, o behaviorista não discute se o relato (num estudo de relatos verbais sobre estados internos, por exemplo) é ou não real; ele é! O behaviorista discute porque o sujeito selecionou falar sobre esse evento e não sobre outros. Essa escolha é observável e pode se constituir legitimamente em seu objeto de estudo (aliás, é sobre essas escolhas e seus determinantes que incide grande parte da ação terapêutica). Por outro lado, estados subjetivos não têm status causal no bahaviorismo radical.

A palavra reforçamento, fortemente identificada com essa proposta, refere-se, de fato, a um tipo de contingência comportamento-ambiente muito importante: "o comportamento é afetado pelas suas consequências". Tão importante, que foi reificada, tanto por behaviorista como por críticos apressados, e virou "explicação" e/ou "causa" do comportamento, virou até mesmo uma "teoria". O behaviorismo radical "explica" o comportamento - se é que essa palavra deve ser usada -, especificando as condições nas quais o comportamento ocorre. O reforçamento seria uma das formas de selecionar comportamentos (isto é, de alterar a força, a variedade e a variabilidade dos comportamentos). Essa "modificabilidade" e "variabilização" do comportamento seriam, elas próptrias, produtos de uma seleção, dada a adaptabilidade dessas características e seu valor de sobrevivência. É aqui que se revelam as influências de Darwin e Spencer, e o cunho decididamente biológico que imprime à palavra "comportamento".

A expressão "seleção pelas consequências" é mais do que isso, ela de fato resume o modelo proposto por B.F. Skinner para o estudo do comportamento. Para ele, não só as características anatômicas e fisiológicas, mas também as comportamentais, passam por sucessivos crivos de uma seleção baseada nos contatos dos organismos vivos com seu ambiente. Todo ser vivo evolui e transforma-se continuamente (razão porque, certa vez, indagado, disse: "estudo o movimento dos organismos"). Mais importante, tais transformações são direcionadas pelas consequências que tais contatos produzem. Por força desses contatos o organismo muda o ambiente em que vive e é, por sua vez, modificado pelas mudanças que produziu. Para Skinner, o comportamento (e fazer ciência é um comportamento) está sempre em construção e reconstrução (donde a ênfase em estudos na área de apredizagem), sob a influência de contigências filogenéticas (atuando no nível das espécies), de contingências ontogenéticas (atuando no nível dos repertórios comportamentais individuais), de contingências culturais (atuando no nível das práticas grupais).

A vida, definida como uma molécula que se produz e que, ao se reproduzir é modificada, isto é, é selecionada em suas características pelo meio (ou mais propriamente, pelas mudanças que é capaz de produzir no meio), representa o primeiro exemplo de transformação ou seleção pelas consequências: Na filogênese, a modificação ocorre na reserva genética da espécie e assim transmitida pelos indivíduos que, consequentemente, sobrevivem. Em nível comportamental, esses indivíduos tornam-se sensíveis a diferentes tipos e/ou níveis de estimulação, apresentam posturas típicas, sequências reflexas, etc. O segundo exemplo de seleção pela consequência ocorre na ontogênese. Ele é melhor entendido se opusermos dois tipos de comportamento. O comportamento reflexo, controlado por mecanismos descritos por Pavlov e desencadeado por mudanças ambientais, e o comportamento operante, controlado por mecanismos que Skinner e seus seguidores estudam e que não é desencadeado por mudanças ambientais, pelo contrário, é afetado pelas mudanças que opera sobre o ambiente. Dito de outro modo, o comportamento operante repete-se e, a cada repetição, é modificado - enquanto classe -, pelas consequências que sua ocorrência produz no ambiente.

Na evolução cultural, terceiro nível da seleção por consequenciação no modelo skinneriano, a modificação ocorre naqueles dois primeiros níveis, porém via planejamento de grupo. O grupo adota e implementa comportamentos exibidos por determinados indivíduos (comportamentos esses que se revelaram úteis na solução de problemas), e dissemina esses comportamentos entre os demais indivíduos, garantindo assim a sobrevivência do grupo. Para Skinner, as práticas culturais representam casos especiais de aplicação do conceito de comportamento operante, quando diz, "é o efeito sobre o grupo, não as consequências reforçadoras para membros individuais, que é responsável pela evolução da cultura".

O teste desse modelo, sucintamente descrito aqui, é o programa de trabalho do analista do comportamento. Ele o realiza a partir de uma unidade que, no momento, é descrita como possuindo três termos: o comportamento e seu contexto ambiental antecedente e consequente. Tal programa tem produzido descrições quantitativas que analisam a interdependência entre o conjunto de variáveis do organismo e o conjunto de variáveis do ambiente. A análise experimental do comportamento já demonstrou que essas relações não precisam ser imediatas, que podem ser expressas em termos relativos, e que, provavelmente, incluem muito mais que três termos.

A abordagem do analista comportamental ao seu objeto de estudo implica em uma sofisticada metodologia de sujeito único, isto é, do sujeito como seu próprio controle, (descrita em 1865 por Claude Bernard e extrapolada, em 1960, por Murray Sidman, para o estudo do comportamento dos organismos). Seus procedimentos laboratoriais envolvem técnicas elaboradas como modelagem de resposta e de estímulo,esvanecimento, escurecimento, esquemas, encadeamento etc. Sua linguagem inclui uma série de conceitos descritivos, como reforçamento - e suas variantes: primário, secundário, positivo e negativo -, punição, controle de estímulos, classes de respostas, equivalência, operantes, lei da igualação etc. Essa metodologia, essas técnicas e esses conceitos explicitam o comportamento em suas relações com o ambiente, de uma forma tão evidente, regular e sistemática, que fazem por prescindir da estatística, como medida do resultado, e do acordo entre observadores, como critério de verdade. Mas o analista do comportamento não prescinde da replicabilidade. Ele concorda com auto-observação, autoconhecimento e aceita relatos na primeira pessoa, porém questiona a natureza do que está sendo observado, conhecido e relatado.

Existem hoje mais de 40 periódicos científicos que publicam exclusiva ou predominantemente trabalhos de pesquisa (teórica ou empírica, básica ou aplicadaa) de cunho comportamental, editados nos EUA, México, Peru, Brasil, Japão, França, Canadá e Bélgica. Até 1984, haviam sido indexados mais de um milhar de títulos, só nos EUA, de obras relativas ao behaviorismo radical de Skinner. Seus seguidores discutem pesquisas e idéias em sociedades científicas espalhadas nos EUA, Canadá, México, Irlanda, Bélgica, Alemanha, Itália, Uruguai, Japão, Brasil, Colômbia, Venezuela, Equador, Panamá, Bolívia, Chile, Guatemala, Nicarágua, Porto Rico, Holanda, Inglaterra, País de Gales, França, Portugal, Espanha, Suécia, Israel, Nova Zelândia, Austrália e Suíça.

O esforço de toda uma vida de trabalho pelo professor Skinner e a expansão e continuidade desse trabalho por seus alunos representam uma contribuição no sentido de tornar o estudo do comportamento objeto de investigação científica e não mero quebra-cabeças metafísico, evitando cair quer no mecanismo reflexológico quer no intencionalismo voluntarista.

Fonte: http://www.cemp.com.br

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