Aborto: salvar a lei, matar a pessoa‏

Coluna do Leitor 13 de outubro de 2010 às 17:57h

Carta Capital

O aborto não é evitado apenas pelo discurso moral das religiões ou pela criminalização jurídica. É preciso repensar nossa cultura de morte, diz o Pe. Paulo Cezar Nunes de Oliveira
Por Pe. Paulo Cezar Nunes de Oliveira*

Nos últimos dias, assistimos a uma batalha de Tróia em torno da polêmica do aborto. As eleições 2010 correm o risco de se tornararem um plebiscito sobre o tema. Um mais pessimista diria que estamos assistindo a uma gincana. Ganha pontos quem consegue mais acusações, boatos alarmantes, vídeos montados, satanização do adversário. A mídia fala em bala de prata ou fato surpresa, algo parecido com as provas improvisadas de última hora, como fazíamos nos jogos escolares.
Até poucos meses, a mídia do Brasil abominava a idéia da participação da religião na esfera política. Agora, sem nenhuma explicação aparente, transformou a opinião de alguns religiosos no discurso mais qualificado para formar a opinião do eleitor. Às vezes, temos a impressão de que, a partir de 2011, o Brasil deverá adotar um regime de governo condizente com uma república teocrática. Mal desconfiam os cristãos, católicos e evangélicos que a mídia, que hoje exalta a religião, amanhã a desqualifica. A mídia dá, a mídia toma, parafraseando Jó.
Como teólogo da teologia moral, sinto uma tristeza muito grande em ver que um tema de tamanha complexidade, que possui um amplo conjunto de fatores determinantes, envolto a histórias de tantas dores e sofrimentos, ser tratado com tanto quixotismo. Tudo está sendo reduzido a ser contra ou favor. Os argumentos quase sempre são superficiais, não verticalizados. Tratar o aborto como questão de saúde pública sem explicar suas conseqüências não me parece honesto. É inocente também, para não dizer falacioso, o chamado discurso em defesa da vida que fazem alguns religiosos. No fundo, está sendo debatida somente a questão jurídica: deve existir ou não uma lei que criminaliza o aborto? Contudo, qualquer pessoa com a mínima capacidade de ver o óbvio sabe que o simples fato de existir uma lei não altera em nada a realidade: sendo ou não um crime, o aborto existe em todos os países do mundo.
O debate em torno somente da questão jurídica me faz perguntar: estamos realmente interessados em defender a vida ou em defender a “Lei”? Qualquer um que queira ser honesto consigo mesmo sabe que o aborto não é evitado apenas pelo discurso moral das religiões ou pela criminalização jurídica. É preciso repensar nossa cultura de morte.
Tenhamos coragem de assumir nossa parcela pessoal de culpa. A decisão de abortar não é tomada exclusivamente pela mulher, é fruto de um conjunto de situações. O fim de um relacionamento, a vergonha de se expor, a insegurança do futuro, a incompreensão dos outros.
Existem também fatores sociais de grande relevância. Um empresário que não contrata uma grávida ou que demite gestantes também está abortando; age da mesma maneira um pai ou a mãe que ameaça expulsar sua filha de casa ou a julga inexperiente para cuidar de uma criança; não foge a essa regra um parceiro que escapa da situação da gravidez de sua namorada ou amante; a mídia que vende um prazer sem compromisso também está contribuindo para o aborto; abortista também é a religião quando não é capaz de acolher as chamadas mães solteiras com afeto e respeito, expondo-as à marginalidade.
Essas são apenas algumas das questões, mas existem muitas outras que precisam ser debatidas. Reduzir algo de tamanho relevo ao slogan “defesa da vida” é cometer um pecado muito grave.
Por fim, sonho com o dia em que todos nós, que realmente defendemos a vida da sua concepção até o seu fim natural, nos empenharemos em projetos sérios, com uma agenda positiva, buscando soluções no diálogo com psicólogos, médicos, biólogos, sociólogos, mães e pais que sofreram esta experiência e com aqueles que querem evitá-la. No dia 31 de outubro teremos Dilma ou Serra presidente. Não quero ser pessimista, mas se até lá novos temas não surgirem para a avaliação dos eleitores, a mídia terá esquecido a religião. Os bispos, pastores e o Brasil não terão debatido nem sequer uma proposta de governo para os próximos quatro anos. Muitas vidas correrão perigo, principalmente a dos mais pobres. Aí será tarde demais.

*Pe. Paulo Cezar Nunes de Oliveira é Redentorista. Graduado em Filosofia e Teologia. Mestre em Ciências da Religião pela PUC-GO. Professor de Teologia Moral no Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás. Mestrando em Teologia Moral pela Università Lateranense – Accademia Alfonsiana – Roma



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