Um dia com o poeta maior


"E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa, uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna, um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre, fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos, mas, ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses despegados."

(Fragmento 10, do Livro do Desassossego, autoria atribuída por Fernando Pessoa ao seu heterônimo Bernardo Soares)


"Não soube nunca o que sentia. Quando me falavam de tal ou tal emoção e a descreviam, sempre senti que descreviam qualquer coisa da minha alma, mas, depois, pensando, duvidei sempre. O que me sinto ser, nunca sei se o sou realmente, ou se julgo que o sou apenas. Sou um personagem de dramas meus."

(Excerto de "Maneira de bem sonhar nos metafísicos", de Fernando Pessoa)

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